Há 100 anos, no dia 30 de abril de 1914, nascia no Rio de
Janeiro (registrado em Vassouras, no interior do estado) o jornalista, escritor
e político Carlos Frederico Werneck de Lacerda, um dos principais personagens
da história do Brasil, que morreu prematuramente, aos 63 anos, em 1977.
Seu nome foi uma homenagem da família comunista à Karl Marx
(Carlos) e Friedrich Engels (Frederico), por mais surpreende que possa parecer,
já que é o mais notório anticomunista do país. Ele também se opôs ao
nacionalismo “desenvolvimentista” do getulismo, de inspiração fascista, que com
o comunismo fazem as duas nefastas correntes de pensamento ideológicas
majoritárias do Brasil até hoje, um país incapaz de conceber uma terceira via
liberal-conservadora.
Carlos Lacerda surgiu no cenário político nacional em 1935,
aos 21 anos, já um orador brilhante, carismático e arrebatador, no evento de
lançamento da ANL (Aliança Nacional Libertadora), entidade ligada ao PCB
(Partido Comunista Brasileiro) e obediente aos ditames de Moscou via Comintern.
Nesse dia, o estudante Carlos Lacerda foi escolhido para ler o manifesto e
pedir que Luís Carlos Prestes, que estava na URSS, fosse aclamado como
presidente de honra da ANL.
Seu rompimento com o movimento comunista viria em 1939,
expurgado do partido por um texto escrito por ele sob encomenda tratando da
“vitória” do getulismo sobre o comunismo. Ele trabalhava numa revista que
publicou uma série de artigos comemorativos do primeiro aniversário do Estado
Novo de 1937 por encomenda do DNP, depois batizado de DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda), e a Lacerda foi pedido o texto sobre o comunismo.
Obediente e precavido, consultou oficialmente o partido e, por tabela, Moscou,
para saber se aceitava a tarefa e como deveria proceder. Foi orientado a
escrever a matéria passando a idéia de que a Intentona Comunista foi algo
isolado, de um punhado de doidos conspiradores, a maioria já cassados e presos,
e sem qualquer articulação com o comunismo internacional. Cumpriu as ordens mas
foi demonizado pelos comunistas brasileiros e chutado para fora do movimento,
um choque do qual demorou anos para superar.
Nos anos 40 entra para a UDN. Em 1947 é eleito vereador e
começa oficialmente a carreira como político. Lacerda se tornaria o maior
opositor à volta de Getúlio Vargas ao cargo de presidente e começava o caminho
que depois viria a associar seu nome ao “derrubador de presidentes”.
Sua oposição a Getúlio Vargas terminou, numa série
estonteante de eventos em três semanas de agosto de 1954, com o suicídio do
presidente, o que fez com que se refugiasse, ironicamente e por alguns dias, em
Cuba – pouco antes de virar o zoológico dos irmãos Castro, claro. De volta ao
Brasil, foi a principal pedra no sapato de Juscelino Kubitschek e o grande cabo
eleitoral de Jânio Quadros em 1960. No final dos anos 60, ao se tornar amigo e
correligionário de Juscelino na Frente Ampla, perguntou ao ex-presidente porque
nunca permitiu que tivesse uma concessão de TV e JK respondeu: “se eu te desse
um canal de TV você me derrubaria”.
Conspirou contra Jango, apoiou a revolução de 1964 e depois
foi cassado por ela, quando era o político mais popular do Brasil e o mais
provável vencedor numa eleição presidencial prometida por Castello Branco que
nunca aconteceu, quando os militares deram o golpe dentro do golpe e se
encastelaram no poder até 1985, manchando para sempre a imagem do regime que
livrou o país do caos instaurado pelo errático, incompetente, inconsequente e
radical governo de João Goulart.
Como governador da Guanabara (1960-1965), foi um
revolucionário em métodos de gestão, no estabelecimento de metas e em
resultados que transformaram para sempre a atual cidade do Rio de Janeiro.
Difícil imaginar um administrador público republicano com uma história de
tamanha competência, trabalho duro e um legado de realizações no Brasil como
ele.
Quem é do Rio de Janeiro ou vive na cidade deveria agradecer
todos os dias a quem fez a adutora do Rio Guandú, que acabou com o crônico
problema de falta d’água da cidade, mas não só: o governo Lacerda está em quase
todo lugar, como na criação do túnel Rebouças, no alargamento da praia de
Copacabana e no plano diretor que idealizou a Linha Vernelha e a Linha Amarela,
esta última merecidamente batizada com seu nome.
Além de todas essas facetas, era também um intelectual de
primeiro time, tendo criado a Editora Nova Fronteira, uma das mais conhecidas
do mercado editorial do país até hoje. É também tio-avô de Marcio Lacerda,
atual prefeito de Belo Horizonte (antes que me perguntem, não estou nem aí para
os boatos sobre seu bissexualismo, seu caso com a atriz Shirley MacLaine, irmã
de Warren Beatty, entre outras fofocas de alcova).
Carlos Lacerda foi expulso pelos comunistas e cassado pelo
militares, mas seu espírito incontrolável e sua oratória demolidora marcaram a
política brasileira por décadas. Sua intolerância com a corrupção, com a
mediocridade, sua recusa em negociar princípios por cálculos políticos e
arranjos fisiológicos, sua coragem e seu carisma tornaram Carlos Lacerda uma
das figuras mais hipnotizantes da história do Brasil.