Desde que comecei a ler livros, meu sonho era um dia emergir
do meio social culturalmente depressivo e ter um círculo de amigos com quem
pudesse conversar seriamente sobre arte, literatura, filosofia, religião, as
perplexidades morais da existência e a busca do sentido da vida – o ambiente
necessário para um escritor desenvolver sua autoconsciência e seus talentos. Li
centenas de biografias de escritores e todos eles tiveram isso.
Nunca realizei esse sonho, nunca tive esse ambiente
estimulante.
Por volta dos quarenta anos, entendi que não o teria nunca,
e decidi que minha obrigação era fazer tudo para que outros o tivessem.
Toda a minha atividade de ensino é voltada para isso. É com
profundo desprezo que ouço gente dizendo que o objetivo dos meus esforços é
“criar um movimento de direita”.
Não conheço coisa mais inútil do que tomadas de posição
doutrinal em política. O sujeito adota certas regras gerais e delas deduz o que
se deve fazer na prática. Por exemplo, acredita em liberdade individual e daí
conclui que não se pode proibir o consumo de cocaína e crack. Ou acredita em
justiça social e por isso acha que o governo deve controlar todos os preços e
salários. O que caracteriza esse tipo de pensamento é a arbitrariedade das
premissas, escolhidas na base da pura preferência pessoal, e o automatismo
mecânico do raciocínio que leva às conclusões.
No Brasil, praticamente todas as diferenças entre direita e
esquerda se definem assim.
A coisa torna-se ainda pior pela tendência incoercível de
raciocinar a partir de figuras de linguagem, chavões e clichês, em vez de
conceitos descritivos criticamente elaborados. Isso torna o “debate político
nacional” um duelo entre fetiches
verbais imantados de uma carga emocional quase psicótica. Os fatos concretos, a
complexidade das situações, as diferenças entre níveis de realidade, o senso
das proporções e das nuances, ficam fora da conversa.
Aristóteles já ensinava que a política não é uma ciência
teorético-dedutiva, na qual as conclusões se seguissem matematicamente das
premissas, mas uma ciência prática enormemente sutil, onde tudo dependia da
frónesis, o senso da prudência, assim como do exercício da dialética. Mas a
dialética é a arte de seguir ao mesmo tempo duas ou mais linhas de raciocínio,
e a impossibilidade de fazer isso é, dentre as 28 deficiências de inteligência
assinaladas pelo pedagogo israelense Reuven Feuerstein, certamente a mais
disseminada entre estudantes, professores, jornalistas e formadores de opinião
em geral no Brasil. Não raro essa deficiência é tão arraigada que chega a
determinar, por si, toda a forma mentis de alguma personalidade falante.
Naquilo que neste país se chama um “debate”, o que se observa nos contendores é
a incapacidade de apreender o argumento do adversário, a ausência de uma
verdadeira relação intelectual, substituída pela reiteração de opiniões prontas
que o debate em nada enriquece.
O que me colocou contra a esquerda nacional desde o início
dos anos 90 não foi nenhuma tomada de posição “liberal” ou “conservadora”, mas
a simples constatação de dois fatos: (1) a instrumentalização política das
instituições de cultura e ensino pela “revolução gramsciana” estava acabando
com a vida intelectual no Brasil e em breve iria reduzi-la a zero, como de fato
veio a acontecer; (2) a opção preferencial dos partidos de esquerda pelo
Lumpenproletariat, tomado erroneamente como sinônimo de “povo” por influência
residual de Herbert Marcuse, estava destinada a transformar a existência
cotidiana dos brasileiros no carnaval sangrento que hoje vemos por toda
parte.
Como é óbvio e patente que a solução de quaisquer problemas
na sociedade depende da dose de inteligência circulante e do nível de
consciência moral da população, daí decorria que, para denunciar a atividade
maligna da esquerda nacional, que estava destruindo essas duas coisas, não era
preciso que eu me definisse quanto àqueles inumeráveis pontos específicos de
política econômico-social em que tanto de deliciam os doutrinários de todos os
partidos e que em muitos casos eu considerava superiores à minha capacidade de
análise.
Nos meus artigos, aulas e conferências, como o pode atestar
qualquer observador isento, não se trata nunca de advogar determinada política
em particular, mas apenas de lutar para que as condições intelectuais e morais
mais genéricas e indispensáveis a qualquer debate político saudável não se
percam ao ponto de desaparecer por completo do horizonte de consciência da
classe nominalmente “intelectual”.
Quando essas condições forem restauradas, não terei a menor
dificuldade de me voltar para assuntos da minha preferência e deixar que o
debate político transcorra normalmente sem a minha gentil intervenção.
Mas o fato é que, se a deterioração mental do país começou
já no tempo dos militares, logo em seguida a esquerda triunfante a agravou ao ponto
da mais desesperadora calamidade, e o fez de propósito, planejadamente,
maquiavelicamente, disposta a tudo para impor, de um lado, a hegemonia cultural
de cabos eleitorais, agitadores de botequim e doutores salafrários com
carteirinha do Partido; de outro, a beatificação do Lumpenproletariado e, com
isso, a completa perversão da consciência moral na população brasileira.
Até o momento nenhum partido de esquerda deu o menor sinal
de arrependimento. Ao contrário, cada um se esmera na autoglorificação como se
fosse uma plêiade de heróis e santos.
Assim, não me deixam remédio senão estar na direita, no
mínimo porque esta, no momento, não tem os meios de concorrer com a esquerda na
prática do mal.