A cinco meses da eleição presidencial é evidente o
sentimento de enfado, cansaço, de esgotamento com a forma de governar do
Partido dos Trabalhadores. É como se um ciclo estivesse se completando. E
terminando melancolicamente.
A construção do amplo arco de alianças que sustenta
politicamente o governo Dilma foi, quase todo ele, organizado por Lula no
início de 2006, quando conseguiu sobreviver à crise do mensalão e à CPMI dos
Correios. Naquele momento buscou apoio do PMDB — tendo em José Sarney o
principal aliado — e de partidos mais à direita. Estabeleceu um condomínio no
poder tendo a chave do cofre. E foi pródigo na distribuição de prebendas. Fez
do Tesouro uma espécie de caixa 1 do PT. Tudo foi feito — e tudo mesmo — para
garantir a sua reeleição. Parodiando um antigo ministro da ditadura, jogou às
favas todo e qualquer escrúpulo. No jogo do vale-tudo não teve nenhuma
condescendência com o interesse público.
A petização do Estado teve início no primeiro mandato, mas
foi a partir de 2007 que se transformou no objetivo central do partido. Ter uma
estrutura permanente de milhares de funcionários petistas foi uma jogada de
mestre. Para isso foram necessários os concursos — que garantem a estabilidade
no emprego — e a ampliação do aparelho estatal. Em todos os ministérios, sem
exceção, aumentou o número de funcionários. E os admitidos — quase todos eles —
eram identificados com o petismo.
Desta forma — e é uma originalidade do petismo —, a tomada do
poder (o assalto ao céu, como diria Karl Marx) prescindiu de um processo
revolucionário, que seria fadado ao fracasso, como aquele do final da década de
60, início da década de 70 do século XX. E, mais importante, descolou do
processo eleitoral, da vontade popular. Ou seja, independentemente de quem
vença a eleição, são eles, os petistas, que moverão as engrenagens do governo.
E o farão, óbvio, de acordo com os interesses partidários.
Se no interior do Estado está tudo dominado, a tarefa
concomitante foi a de estabelecer um amplo e fiel arco de dependência dos
chamados movimentos sociais, ONGs e sindicatos aos interesses petistas. Abrindo
os cofres públicos com generosidade — e que generosidade! — foi estabelecido um
segundo escudo, fora do Estado, mas dependente dele. E que, no limite, não
sobrevive, especialmente suas lideranças, longe dos recursos transferidos do
Erário, sem qualquer controle externo.
O terceiro escudo foi formado na imprensa, na internet,
entre artistas e vozes de aluguel, sempre prontas a servir a quem paga mais.
Fazem muito barulho, mas não vivem sem as benesses estatais. Mas ao longo do
consulado petista ganharam muito dinheiro — e sem fazer esforço. Basta recordar
os generosos patrocínios dos bancos e empresas estatais ou até diretamente dos
ministérios. Nunca foi tão lucrativo apoiar um governo. Tem até atriz mais
conhecida como garota-propaganda de banco público do que pelo seu trabalho
artístico.
Mas tudo tem um começo e um fim, como poderia dizer o
Marquês de Maricá. E o fim está próximo. O cenário não tem nenhum paralelo com
2006 ou 2010. O desenho da eleição tende à polarização. E isto, infelizmente,
poderá levar à ocorrência de choques e até de atos de violência. O Tribunal
Superior Eleitoral deverá ser muito acionado pelos partidos. E aí mora mais um
problema: quem vai presidir as eleições é o ministro Dias Toffoli – como é
sabido, de origem petista, foi advogado do partido e assessor do sentenciado
José Dirceu.
Se a oposição conseguir enfrentar e vencer todas estas
barreiras, não vai ter tarefa fácil quando assumir o governo e encontrar uma
máquina estatal sob controle do partido derrotado nas urnas. As dezenas de
milhares de militantes vão — se necessário — criar todo tipo de dificuldades
para a implementação do programa escolhido por milhões de brasileiros. Aí — e
como o Brasil é um país dos paradoxos — será indispensável ao novo governo a
utilização dos DAS (cargos em comissão). Sem eles, não conseguirá governar e
frustrará os eleitores.
Teremos então uma transição diferente daquela que levou ao
fim da Primeira República, em 1930; à queda de Vargas, em 1945; ou, ainda, da
que conduziu ao regime militar, em 1964. Desta vez a mudança se dará pelo voto,
o que não é pouco em um país com tradição autoritária. O passado petista — que
imagina ser eterno presente — terá de ser enfrentado democraticamente, mas com
firmeza, para que seja respeitada a vontade das urnas.
É bom não duvidar do centralismo democrático petista. Não
deve ser esquecido que o petismo é o leninismo tropical. Pode aceitar sair do
governo, mas dificilmente sairá do aparelho de Estado. Se a ordem de sabotar o
eleito em outubro for emitida, os militantes-funcionários vão segui-la
cegamente. Claro que devidamente mascarados com slogans ao estilo de “nenhum
passo atrás”, de “manter as conquistas”, de impedir o “retorno ao
neoliberalismo”. E com uma onda de greves.
A derrota na eleição presidencial não só vai implodir o
bloco político criado no início de 2006, como poderá também levar a um racha no
PT. Afinal, o papel de Lula como guia genial sempre esteve ligado às vitórias
eleitorais e ao controle do aparelho de Estado. Não tendo nem um, nem outro,
sua liderança vai ser questionada. As imposições de “postes”, sempre aceitas
obedientemente, serão criticadas. Muitos dos preteridos irão se manifestar,
assim como serão recordadas as desastrosas alianças regionais impostas contra a
vontade das lideranças locais. E o adeus ao PT também poderá ser o adeus a
Lula.