Houve um tempo em que esperávamos a Lua entrar na sétima
casa, Júpiter se alinhar com Marte e a paz reinar no planeta. Era a aurora da
era de Aquarius. Aquarius, Aquarius. As mulheres arrancando os sutiãs, os
homens com calça boca de sino, cavalos da polícia dançando, tudo porque a Lua
tinha, finalmente, entrado na sétima casa.
Nossas esperanças hoje são mais prosaicas. Em vez de Júpiter
se alinhar com Marte, contemplamos o alinhamento da Copa do Mundo com as
eleições no Brasil. E os nervos estão mais sensíveis. Na cúpula, governo e Fifa
se estranham. Para Jérôme Valcke, o contato com as autoridades brasileiras foi
um inferno. Para Dilma Rousseff, Valcke e Joseph Blatter são um peso.
É o tipo de divórcio que não se resolve com as cartomantes
que trazem de volta a pessoa amada em três dias. Eles se distanciam num mero
movimento defensivo. Quem será o culpado se as coisas não derem certo?
Dilma, com a Copa das Copas, quer enfrentar a eleição das
eleições e põe toda a sua esperança nos pés dos atletas. A Fifa não gostaria de
entrar numa gelada no Brasil, mesmo porque o Qatar a espera com calor de 52
graus. Seriam dois fracassos seguidos, pois Blatter já admitiu que o Qatar foi
um erro.
Essa conjunção histórica está levando a uma certa irritação
da cúpula conosco, que não inventamos essa história. Blatter declarou que os
brasileiros precisavam trabalhar mais porque as promessas de Lula não foram
cumpridas. Nada mais equivocado do que essa visão colonial. Se Blatter caísse
no Brasil e vivesse nossa vida cotidiana, constataria que trabalhamos muito
mais que ele mesmo, um cartola internacional. Desde quando o objetivo do nosso
trabalho é cumprir as promessas de Lula?
A tática de Lula é diferente da de Blatter. Lula não critica
nossa insuficiência no trabalho, mas nossas aspirações de Primeiro Mundo. Ele,
que vive espantando o complexo de vira-latas, apossando-se politicamente de uma
frase de Nelson Rodrigues, nos convida agora a reviver o espírito que tanto
condena: “Querer vir de metrô ao estádio é uma babaquice. Viremos a pé, de
jumento...”. Para Blatter, precisamos trabalhar mais; para Lula, desejar menos.
Só assim nos transfiguramos na plateia perfeita para o espetáculo milionário.
Lula começou sua carreira falando em aspirações dos mais
pobres, hoje prega o conformismo. Não é por acaso que o PT faz anúncios
inspirados no medo de o adversário vencer as eleições. Não há mais esperança,
apenas um apego desesperado aos carguinhos, à estrutura do Estado, aos grandes
negócios.
No passado exibi um filme em que Lula e Sérgio Cabral
dialogam com um garoto do Complexo da Maré. Eles entram em discussão, Cabral
ofende o jovem e Lula diz ao garoto que gostava de jogar tênis: “Tênis é um
esporte de burguês”. Na cabeça de Lula, o menino tinha de se dedicar ao
futebol. Outras modalidades seriam reservadas aos ricos. Se pudesse livrar-se
de seus aspones e andar um pouco até a Baixada Fluminense, veria um campo de
golfe em Japeri onde atuam dezenas de garotos pobres da região. Dali saem
alguns dos melhores jogadores de golfe do Brasil.
Lá por cima, pela cúpula, muito nervosismo, uma certa
impaciência com um povo que não se ajusta ao espetáculo. Estão mais ansiosos
que os próprios jogadores para que o juiz dê o apito inicial. Nesse momento,
acreditam, o Brasil cai num clima de festa. Com a vitória da seleção o Brasil
entraria num alto-astral e os carguinhos, os grandes negócios, tudo ficaria
como antes.
Li nos jornais algumas alusões à Copa de 70, a que assisti
na Argélia. De fato, o PT vai se agarrar à seleção como o governo Médici o fez
naquela época.
Mas já se passaram tantos anos, o Brasil mudou tanto, e o
alinhamento das eleições com a Copa, organizada pelo País, tudo isso traz
novidades que a experiência de 1970 não abarca.
Estamos entrando num momento inédito. Dilma é vaiada em
quase todo lugar por onde passa. Lula está visivelmente ressentido com o povo,
que não o celebra pela realização da Copa; que é babaca a ponto de desejar ir
de metrô ao estádio.
Não importa qual deles venha. “Que vengan los toros”, como
dizem os espanhóis. Não importa quantos gols nosso ataque faça - e espero que
sejam muitos -, a glória do futebol não obscurece mais nossas misérias
políticas e sociais. Se os idealizadores da Copa no Brasil fizessem uma rápida
pesquisa, veriam que o sonho de projetar a imagem de um país pujante e pacífico
está ardendo nas fogueiras das ruas, na violência das torcidas, no caos
cotidiano nas metrópoles, nos relatos sobre a sujeira da Baía de Guanabara.
O governo do PT e aliados não poderá esconder-se atrás do
futebol, porque eles já foram descobertos antes de a Copa começar. A Copa do
Mundo não sufoca as denúncias de corrupção porque a própria Copa está imersa
nela. A Fifa, com Jérôme Valcke sendo acusado de venda irregular de jogadores,
não ajuda. Até o técnico Felipão caiu nas redes do fisco português.
O sonho de uma plateia ideal para a Copa, milhares de
pessoas com bandeirinhas, de um eleitorado ideal que vota sempre nos mesmos
picaretas, de torcedores ideais que vão a pé ou de jumento para estádios
bilionários, esse sonho entra em jogo também. Assim como aquele de projetar a
imagem positiva do Brasil, o sonho de uma plateia ideal para a Copa foi por
terra. Nem todos cantam abraçados diante das câmeras.
Começou um jogo delicado em que a Copa do Mundo é apenas uma
etapa. Valcke vai viver o inferno nos 52 graus do Qatar e Dilma enfrentará a
eleição das eleições, a qual precisa vencer, mas não para de cair.
A Lua entrou na sétima casa e não veio o paraíso. As
eleições se alinham com a Copa, como Júpiter e Marte, e o Brasil, num desses
momentos de verdade decisivos para sair dessa maré. Se estão nervosos agora,
imagino quando as coisas esquentarem.
Os babacas que querem ir ao estádio do metrô podem querer
também um governo limpo, um combate real à corrupção, serviços públicos que
funcionem.
Babacas, felizmente, são imprevisíveis.