“Cuidado com a volta do retorno.”
Quem me dizia sempre isso era Marinho Celestino, um
cabeleireiro capixaba que estudou cinema em Paris e morreu no Brasil. Não sei
se queria expressar com isso a circularidade do tempo ou se usava a expressão
apenas para advertir os perigos de uma recaída. O movimento “Volta, Lula”
sempre me lembra a expressão de Marinho Celestino: a volta do retorno, uma
espécie de bumerangue.
Durante um tempo, ele se comportou apenas como um
ex-presidente. Achei que merecia o habeas língua que sempre conferimos àqueles
que já cumpriram sua tarefa. Clarice Lispector, num belo conto chamado Feliz
Aniversário, conta a história de uma festa para a mulher que fazia 89 anos e de
quem todos queriam arrancar uma palavra. A velha permaneceu calada, apesar de
muitas provocações, até que, no final da festa, resolveu falar só isto: “Não
sou surda!”.
Para mim, Lula ainda é um jovem. Desenvolvi uma tolerância a
suas frases e, em certos momentos, até me diverti com elas. Era só um
ex-presidente, com direito a parar de fazer sentido.
Agora, que querem lançá-lo de novo à Presidência, é preciso
ter cuidado com a volta do retorno. Não me preocupa tanto que tenha dito que o
julgamento do mensalão foi 80% político e 20% técnico. Lula aprendeu, ao longo
destes anos, a usar os números para tornar a mentira convincente. Se o
apertarmos num debate, ele vai conceder: “Está bem, então 79% político, 21%
técnico”. Ele sabe que números quebrados convencem ainda mais que os redondos.
O que me preocupou mais nessa entrevista aos portugueses foi ele ter encarnado
o espírito de salvador, um arquétipo da nossa cultura luso-brasileira, um Dom
Sebastião.
Ele disse que, apesar do que noticiavam os jornais, TV e
oposição, o povo sempre olharia nos seus olhos e acreditaria na sua verdade.
Isso implica uma visão pobre da democracia e, sobretudo, do povo. Como se as
pessoas fossem completamente blindadas diante do debate nacional, como se não
fossem curiosas, não formassem opinião por meio da troca de ideias, como se não
estivessem constantemente reavaliando suas crenças com novos dados.
Nessa frase de Lula, o povo só se acende com o seu olhar
hipnótico e é nele que procura a verdade, não nos fatos e nas evidências que se
desdobram.
Cuidado com a volta do retorno. A realidade mostra que as
pessoas avançaram, que valorizam melhorias materiais, mas pedem também mais do
que isso. Seria interessante para o PT e para o próprio Lula darem uma volta
pelas ruas do Brasil e tentar a fórmula olho no olho. No mínimo, vão se
desapontar.
Lula não conseguiu, com olhar magnético, convencer o povo
brasileiro de que a Copa foi uma decisão acertada num país com tantas
dificuldades. Tanto ele quanto Gilberto Carvalho ficam perplexos diante das
críticas. Como é possível não celebrar a Copa no Brasil?
Neste caso, a fantasia de uma identificação mítica com o
povo vai para o espaço. Como restaurá-la? Com olho no olho?
O olhar número cinco falhou. A única saída é partir para
outros truques, como, por exemplo, fazer com que os copos se movam sozinhos nas
mesas, como naquelas sessões espíritas no princípio do século 20.
Na entrevista em Portugal, Lula procurou explicar também por
que o povo olhava no seu olho e o apoiava. Mencionou, mais uma vez, a história
da mãe que o aconselhou a andar sempre de cabeça erguida. Um conselho de mãe e
o olho no olho são os talismãs que o protegem de todas as acusações, que lhe
dão força, inclusive, para proteger em seu governo grandes e pequenos bandidos
da política nacional. Não e à toa que alguns ratos começam a abandonar o navio
da candidatura Dilma. Eles anseiam também por migalhas desse poder de Lula,
querem se esconder embaixo do manto protetor.
E Dilma, ou o fantasma dela, apareceu na televisão. Gostei
da maquilagem, do tom da pele, embora para muitos ela estivesse um pouco
pálida. Os profissionais trabalharam bem no rosto, no penteado e mesmo nas
ideias do texto. Você querem mudança? Nós somos a mudança.
Está chegando um tempo em que o abuso das palavras perde sua
elasticidade. Um tempo em que a onipotência de um suposto magnetismo tem de
descer ao mundo dos debates, do choque de ideias, da avaliação permanente dos
rumos do País. É o ocaso da magia. Da cartola, saem apenas os velhos e
combalidos coelhos: aumento da cesta básica, modesta redução no Imposto de
Renda.
O naufrágio se define com a perda do horizonte. Mesmo o
famoso mercado parece esperar a derrota de Dilma. Quando cai nas pesquisas, a
Bolsa sobe. Mas nem sempre o mercado tem razão diante da política. Senão,
substituiríamos o debate parlamentar pelo grito dos corretores na Bolsa.
Realizar uma política social generosa, muitas vezes, bate de frente com o
mercado. Só é possível levá-la adiante, de fato, num quadro econômico de
crescimento sustentável. E parece existir no mercado a compreensão de que a
atual política econômica está fracassando, de que Dilma foi má administradora
em campos vitais, como a energia, e incompetente para deter a degradação da
Petrobrás.
Não sei como Dilma e Lula vão se apresentar na campanha. Ele
vai precisar de uma lente de contatos para mudar a cor dos olhos, em caso de
necessidade. Dilma não poderá repetir apenas o que escrevem os marqueteiros.
Ela apenas registrou que os ratos abandonavam o barco, mas não se perguntou em
nenhum momento por que o barco começa a afundar.
No debate, os dois, cada um com seu estilo, vão ter de
explicar o que fizeram do Brasil, que se vê agora sugado pela corrupção,
gastando fortunas com as obras de uma Copa trazida pela visão megalomaníaca de
Lula. Na África do Sul, ele até convidou atletas estrangeiros para se mudarem
para o Brasil porque haveria tanta competição esportiva que nossas equipes não
seriam capazes de disputar todas.
Nada como esperar a campanha presidencial de 2014. Por
enquanto, o discurso do governo é 80% mentira e 20% malandragem.