sábado, 3 de maio de 2014

José Maria e Silva: PNE: autismo ideológico da pedagogia confunde superdotado com deficiente mental

Se o seu filho aprendeu a tocar violino aos cinco anos, era o primeiro aluno da classe aos sete anos, resolvia sozinho complicados problemas de matemática aos doze anos e leu e compreendeu as obras filosóficas de Immanuel Kant aos 13 anos, muito cuidado – longe de ser um futuro Albert Einstein, o precoce autor dessas façanhas, ele não passa de um portador de necessidades especiais, que precisa com urgência dos cuidados de uma escola inclusiva, a exemplo das crianças mentalmente retardadas. É o que se deduz do Pla­no Nacional de Educação 2011-2020, que – a exemplo de toda a le­gislação educacional e de toda a produção acadêmica – trata o aluno su­perdotado da mesma forma que tra­ta o aluno com deficiência mental.

A Meta 4 do Plano Nacional de Educação é taxativa: “Univer­sa­lizar, para a população de 4 a 17 a­nos, o atendimento escolar aos(às) alunos(as) com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, preferencialmente na rede regular de ensino, garantindo o atendimento educacional especializado em salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços es­pe­cializados, públicos ou comunitários, nas formas complementar e suplementar, em escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados”. E a Estratégia 1.9, que trata da creche e da pré-escola, também junta, nesse mesmo caldeirão pedagógico, vazado num estilo sofrível, os “educandos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento” e aqueles com “altas habilidades ou superdotação”.

Podem anotar: a Meta 4 do Plano Nacional de Educação será uma camisa de força para o aluno superdotado, que, com base nela, poderá ser obrigado – repito: obrigado – a estudar na falida escola pública, mesmo que uma escola privada de elite, apostando em sua inteligência, resolva conceder-lhe uma bolsa de estudos integral. E poderia ter sido pior: o projeto original do Executivo, referendado pela Câmara dos Deputados, não continha o termo “preferencialmente” – lacuna que não passava de uma estratégia para aprisionar todos os deficientes mentais na escola pública, levando de roldão os superdotados. Felizmente, devido à luta das Apaes (Associação de Pais e Alunos de Excepcionais), o Senado acrescentou esse advérbio de modo ao texto, atenuando o caráter impositivo da lei, que, ainda assim, continua se inspirando na “escola única” da União Soviética de Lênin, referendada por Paulo Freire, o santo padroeiro do marxismo de autoajuda, e seu discípulo Moacyr Gadotti.

Tecnicamente falando, a “rede regular de ensino” tanto pode ser pública quanto privada, além de conveniada ou comunitária, pois o que a caracteriza é o fato de integrar o sistema educacional progressivo, regido por lei, que se inicia na pré-escola e se estende à pós-graduação, passando pelos níveis fundamental, médio e graduação. Todavia, o que se constata, na prática, é que a expressão “rede regular de ensino”, especialmente quando se associa a alunos com deficiência, significa, na prática, “rede pública de ensino”, excluindo os estabelecimentos privados de sua definição. Toda a política de inclusão, alardeada pelo MEC desde a década de 90, tem como foco preferencial – e, às vezes, exclusivo – a escola pública, tomada praticamente como sinônimo de “rede regular de ensino”.

Prova disso é que a própria construção textual da Meta 4 só tem embasamento lógico se a expressão “rede regular de ensino” for lida como “rede pública de ensino”, caso contrário, é surrealismo puro. Universalizar o atendimento escolar para os deficientes mentais e superdotados de 4 a 17 anos significa tornar obrigatória a educação especial nessa faixa etária. Até aí, vá lá. Mas qual o sentido de se obrigarem os pais a matricular esse aluno na rede regular de ensino e, ao mesmo tempo, estabelecer que o “atendimento educacional especializado” – isto é, justamente o atendimento de maior sofisticação – só poderá ser feito em sala de recursos multifuncionais da própria rede regular ou em escolas e serviços especializados, públicos ou comunitários? Por que em estabelecimentos privados não pode? Desde quando a escola básica privada é inferior à pública, precisando ser complementada por esta última e não o contrário?

Tratando superdotado como deficiente
Quando se trata de alunos com retardo mental, ainda é possível vislumbrar alguma razão que justifique essa meta. Historicamente, o aluno com deficiência mental era excluído do convívio com alunos normais e não costumava ser aceito na rede regular de ensino, fosse ela pública ou privada. Por isso, acreditam os defensores da educação inclusiva, é preciso forçar sua matrícula na rede pública, para que ele não fique confinado no universo da deficiência que impera nas escolas especiais. Mas muitos desses alunos têm graves deficiências de comunicação e não compreendem normas básicas de convívio, exigindo o atendimento especializado. É onde entram as entidades comunitárias, como as Apaes e os Institutos Pestalozzi, que dispõem de mais experiência e recursos para lidar com esses alunos.

Já no caso dos superdotados, não faz nenhum sentido estabelecer que sua educação complementar deverá ser ministrada em estabelecimentos públicos ou comunitários, como se vê explicitamente no Plano Nacional de Edu­cação. No afã de tra­tar o superdotado como deficiente, as autoridades pedagógicas produziram uma meta surrealista, que consiste em obrigar o aluno com al­to desempenho intelectual a aprimorar seus conhecimentos na rede pú­blica de ensino, mesmo que esteja es­tudando numa escola privada. É isso o que restou escrito no Plano Na­cional de Educação, que, estilisticamente, contém trechos que parecem obra de analfabetos funcionais.

Como o mais tresloucado dos ideólogos não ousaria dizer que a escola pública é melhor do que a escola pri­vada (o Enem e o Ideb mos­tram o contrário), o absurdo dessa redação indica que os autores do plano nem estavam considerando a rede privada e, quando falam em rede re­gular de ensino, estão pensando exclusivamente nas escolas públicas.

Prova disso é que, nos documentos oficiais do MEC e nos estudos acadêmicos, o termo “superdotado” e “portador de altas habilidades” aparecem indissociavelmente ligados ao termo “inclusão”, como se o superdotado fosse um incapaz, precisando de alguém que o tome pela mão e o mantenha na sala de aula. É o que fica claro na “Avaliação do Plano Nacional de Educação 2001-2008”, elaborada a pedido do MEC por pesquisadores de quatro universidades (UFG, que coordenou o trabalho, UFMG, UnB e UFPE) e publicada em 2009 pelo Inep (Instituto Nacio­nal de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeira). No capítulo em que avaliam a educação especial, os pesquisadores afirmam, taxativamente, que “entre os alunos com deficiência também estão incluídos os que possuem altas habilidades/superdotação, ou seja, grande facilidade de aprendizagem, o que os leva a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes”.

Na época da publicação desse estudo, fiz a seguinte observação: “Que não se pergunte aos acadêmicos como uma ‘grande facilidade de aprendizagem’, que leva o aluno a ‘dominar rapidamente conceitos’, pode ser considerada uma ‘deficiência’ e não um verdadeiro prêmio. De duas uma: ou a pedagogia progressista é ela própria uma deficiência mental ou seus protagonistas precisam, com urgência, de uma camisa de força”. Mas esses professores universitários que, a exemplo do MEC, tratam o aluno superdotado como deficiente são os mesmos que não acreditam na deficiência mental e acham que todos os cérebros são potencialmente iguais – isto é, não passam de uma tábula rasa a ser escrita apenas pelo ambiente, sem reconhecer as influências genéticas na formação da inteligência. Por isso, há mais de duas décadas, as universidades travam uma guerra de ódio contra as Apaes, obtendo sua primeira vitória já na Constituição de 88, cujo artigo 208 já estabelece que a educação do deficiente deve ser feita preferencialmente na rede regular de ensino.

Universidades querem acabar com Apaes
A produção acadêmica sobre educação inclusiva, tanto de deficientes quanto de superdotados, é uma prova de que as universidades querem acabar com as escolas especiais. É o que se infere desta declaração dos especialistas que avaliaram o Plano Nacional de Educação a pedido do MEC: “Não cabe o conceito de deficiência severa a qual alguns estudantes não estariam aptos a frequentar a escola. Ele reproduz uma visão homogênea de ensino e aprendizagem que historicamente tem justificado a exclusão escolar de pessoas com deficiência. A meta [de manter escolas especiais] deverá, portanto, ser excluída”.

Ocorre que as escolas especiais são as únicas capazes de acolher crianças que não conseguem comunicar-se com o mundo, pois nem mesmo sabem quem são, aprisionadas num eu devoluto, destituído de razão e palavras, sem a mínima noção de alteridade, como acontece, por exemplo, com as crianças que apresentam síndrome de Rett, uma anomalia genética do cromossomo X, descoberta em 1966 pelo neurologista e pediatra austríaco Andreas Rett (1924-1997), que ataca meninas entre 6 e 12 meses de vida, atrofiando-lhes o cérebro, anulando sua psicomotricidade e condenando-as a minguar, vegetativamente, numa cadeira de rodas.

Mas até crianças com essa síndrome os pedagogos querem condenar à escola regular, privando-as do tratamento personalizado da escola especial. É o que defende, por exemplo, o pesquisador Rogério Drago, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, onde é orientador de teses de mestrado e doutorado, além de ser o organizador de vários livros e autor de vários artigos sobre o tema. Em artigo publicado na revista da Faculdade Cenecista de Vila Velha, em 2012, Rogério Drago afirma que, “ao contrário do que muita gente pensa, pode não ser tão difícil assim” educar na escola comum uma criança com síndrome de Rett, ainda que isso demande mais tempo e recursos.

O pedagogo afirma que a escola regular deve oferecer às crianças com síndrome de Rett um espaço “estimulante, interessante, envolvente, instigante, de produção de subjetividades autônomas, criadoras e inovadoras, livres de preconceitos que possam impedir que a diversidade dos sujeitos se faça presente, numa proposta de escola inclusiva”. E conclui que o indivíduo com deficiência, no caso a criança com síndrome de Rett, ao “participar do contexto histórico e sociocultural da sociedade à qual está integrado”, entra em contato sistemático com outras pessoas, “apropriando-se dos conhecimentos e conceitos acumulados pela sociedade e pelas contribuições que pode receber das interações mantidas com seus pares” e, “num processo de apropriação e transformação, vai deixando sua marca como ser único na coletividade”.

Pedagogia despreza avanços da genética
Como se vê, a pedagogia brasileira sofre de um profundo autismo ideológico e se tornou completamente incapaz de perceber a realidade à sua volta. Se em nome do igualitarismo de Rousseau e Marx, ela nega os graves efeitos cognitivos de um dano cerebral como a síndrome de Rett, é evidente que vai negar também os efeitos positivos de um QI elevado, desprezando as raízes genéticas e hereditárias da inteligência, o que, na prática, significa matar simbolicamente o superdotado.

Useiras e vezeiras em responsabilizar o professor do ensino básico por todos os males do ensino, as universidades gostam de acusá-lo também pela suposta “invisibilidade” do superdotado na escola, mas essa invisibilidade ocorre, de fato, na academia, que historicamente negligenciou o aluno superdotado, tentando negar até mesmo sua existência.

Segundo dados da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação, divulgados numa entrevista da professora Susana Pérez à revista “Ciência Hoje” de janeiro de 2007, até aquele ano só havia registro de um único trabalho de pós-graduação sobre superdotação no País, enquanto sobre deficiência já existiam centenas. Até então, só havia seis doutores formados com foco em superdotação (Pérez seria a sétima) e o número de mestres não chegava a 50. Hoje, esse quadro mudou, ao menos quantitativamente: já foram defendidas 45 dissertações e teses de mestrado e doutorado sobre superdotação e o MEC estimulou a criação de centros de apoio à educação dos superdotados em todos os Estados brasileiros. Mas, substancialmente, a política educacional para os superdotados continua a mesma – para o MEC, o superdotado deve fazer parte da “escola inclusiva”, o que significa rebaixá-lo a um nível intelectualmente inferior.

Em tese, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em 20 de dezembro de 1996, prevê a aceleração escolar para o superdotado, permitindo-lhe concluir em menor tempo o programa de ensino, mas, na prática, isso raramente acontece – se é que acontece no âmbito da escola pública. A educação brasileira, desde o advento da famigerada pedagogia de Paulo Freire, nivela o aluno por baixo e, nos centros de apoio aos superdotados, não será diferente. É o que se depreende de um programa sobre superdotados produzido e veiculado pela TV Câmara em agosto de 2008, que contou com a participação da professora goiana Raquel Teixeira, então deputada federal pelo PSDB, e de professoras do Núcleo de Atendimento a Alunos com Altas Habilidades e Superdotação do Distrito Federal, escolhido pelo MEC para ser modelo para as outras 26 capitais brasileiras, onde foram implantados núcleos do gênero.

Quem pensa que protagonistas do referido programa foram crianças prodígios em matemática, línguas ou música clássica, engana-se – em meio a imagens de Pelé marcando gols, para ilustrar o conceito de gênio, os principais destaques foram um menino de 11 anos que se tornou campeão mundial de patinação e uma ex-moradora de rua que gosta de fazer poemas e desenhar. Parece piada, mas o menino se tornou um “superdotado” porque, além de ser repetente e tirar notas ruins em matemática e português, tinha péssimo comportamento na escola e em casa. Sua mãe procurou ajuda de um psicólogo e a criança acabou sendo classificada como superdotado por ser exímio e obcecado patinador. Tudo bem que esse seu talento esportivo fosse acolhido pela escola como atividade complementar, mas daí a premiá-lo com a matrícula num núcleo de superdotados é um acinte, que desestimula os bons alunos em matemática e linguagem, preteridos por um patinador, como se fosse possível construir uma nação sobre patins.

Superdotação justifica até o crime
Parece que o único superdotado, de fato, mostrado na reportagem era um jovem de 19 anos que estava participando da construção de um foguete na UnB, depois de integrar programas para superdotados desde os 11 anos. Mas seu talento no difícil campo da física foi colocado no mesmo patamar do talento de uma ex-moradora de rua que largou a escola aos 15 anos de idade e se entregou ao álcool. Aos 30 anos foi resgatada das ruas e, por alinhavar poemas e copiar desenhos, foi acolhida como superdotada – o que, definitivamente, não é. Na reportagem, após recitar uns versos singelos (que não exigiam habilidade nem talento e, ao menos parcialmente, foram copiados de terceiros, como dá para notar), ela se emociona e chora. É a superdotação sendo confundida com assistência social. Num ambiente assim, uma mente brilhante pode ser tolhida – não só pela falta de competidores, mas também pelo remorso, abdicando de dar o máximo de si para não parecer socialmente ofensiva.

Pasmem! Para esses especialistas, a superdotação não se confunde apenas com assistencialismo – ela serve até para justificar o crime. Num dado momento da reportagem, a apresentadora afirma: “E quando o talento de uma criança superdotada é ignorado?” A resposta é a imagem de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, sendo preso pela polícia federal, enquanto a narração continua: “A pobreza e os problemas sociais podem fazer o Brasil perder essas inteligências para o crime. Violentos e engenhosos líderes de facções criminosas como Fernandinho Beira-Mar são apontados pelos especialistas como superdotados”. Então, a professora Olzenir Ribeiro, do Núcleo de Altas Habilidades do Distrito Federal, hoje doutoranda em educação, acredita que tem a chave para a compreensão da criminalidade, ilustrada por Beira-Mar, e afirma taxativamente: “A gente pode dizer que o talento precisa ser desenvolvido e trabalhado ou para o bem ou para o mal. E que se nós não conseguimos alcançar esse talento para o bem ele vai ser trabalhado para o mal”.

Tenho calafrios só de pensar que esse núcleo de especialistas em superdotação da UnB é o modelo do MEC. Para essa gente, os superdotados não passam de autômatos completamente incapazes de enfrentar os imprevistos da vida e se não forem confinados em estufas cognitivas, protegidos do mundo por babás pedagógicas, fatalmente vão-se tornar criminosos, colocando seu talento a serviço do mal para se vingar da sociedade que não os acolheu. Por esse critério, as cadeias estariam abarrotadas de escritores e artistas frustrados, começando por Machado de Assis, forjado pelas intempéries da vida, sem babás pedagógicas a dirigir seu talento. Felizmente! E o que dizer do grande Patativa do Assaré, nosso Homero sertanejo, órfão, cego, escravo da fome, trabalhando no eito aos oito anos de idade para ajudar no sustento da família? Esse, sem dúvida, tinha de ir para o cangaço. Só assim para se vingar do enorme descaso de que foi vítima.

MEC compara Jô Soares a Da Vinci
Esse vilipêndio contra os su­perdotados se acha presente no livro “Altas Habili­da­des/Su­per­dotação: Encorajando Poten­ciais”, de Angela Virgolim, publicado em 2007 pela Secretaria de Edu­cação Especial do MEC. Num quadro da obra intitulado “O Que Diz a História?”, conta-se que o professor de música de Beethoven disse que ele era “sem esperança” como compositor e que Einstein tinha dificuldade de ler e soletrar e foi reprovado em matemática. É uma forma sutil e invejosa de dizer que qualquer um pode ser Beethoven ou Einstein. Notem que o MEC não diz que Beethoven teve seu talento negado por “um” professor, o que seria normal, mas por “seu” professor. É como se o autor da “Nona Sinfonia” tivesse sido um completo fracasso musical antes de se tornar um gênio.

Mentira! Inteligência e talento são largamente hereditários, como sabe o povo, que criou o provérbio: espinho quando tem que furar já nasce com a ponta fina. Hoje, essa máxima é referendada pelas modernas pesquisas científicas sobre o cérebro, infelizmente ignoradas pela pedagogia brasileira. Praticamen­te todos os grandes músicos demostraram propensão para a música ainda em tenra idade. Com Beethoven não foi diferente. Ele começou a estudar música aos três anos, aos sete fez sua primeira apresentação pública e aos onze publicou sua primeira obra, as “Variações Dresslef”. No ano seguinte, seu professor de música, o cravista, organista e compositor Christian Gottlob Neefe publicou uma nota elogiosa sobre Beethoven, então com doze anos, numa revista especializada em música. E, aos 13 anos, Beethoven foi nomeado organista da corte, juntamente com Neefe, seu professor. Mais tarde, Haydn, então o maior compositor da Europa, insistiu para que Beethoven publicasse suas composições com o epíteto: “Discípulo de Haydn”, já que Beethoven fora seu aluno entre 22 e 24 anos.

Se a ideia de um Beethoven medíocre, vendida pelo MEC, não se sustenta, o que dizer do Einstein que foi reprovado em matemática? Einstein, de fato, teve problemas na escola devido ao seu gênio irascível, mas estava longe de ser outro “superdotado deficiente”, nos moldes prescritos pelo nosso MEC, em busca de uma babá pedagógica. “Uma crença amplamente difundida a respeito de Einstein reza que ele foi reprovado em matemática quando era estudante”, escreve Walter Isaacson, na biografia “Einstein: Sua Vida, Seu Destino” (Com­pa­nhia das Letras, 2007). “Bem, a in­fân­cia de Einstein oferece diversas ironias à história, mas essa não é uma delas”, continua o biógrafo e conta que, em 1935, ao saber que nu­ma coluna de jornal haviam dito a respeito de si que “o maior matemático vivo repetiu em matemática”, Einstein riu: “Nunca fui reprovado em matemática”. E acrescentou: “Antes dos quinze anos, já dominava cálculo diferencial e integral”.

Há uma clara tentativa da pedagogia brasileira no sentido de desvalorizar os superdotados, começando por engessá-los no ambiente desolador da escola pública, sob a ideologia da “educação especial numa perspectiva inclusiva”. Incluir superdotados? Não passa de contrassenso. O superdotado precisa não de escola inclusiva, mas de escola exclusiva. Ele deveria ser positivamente excluído das salas abarrotadas de alunos relapsos, desordeiros, drogados e intelectualmente medíocres para ser incluído em escolas de elite, onde seria estimulado pela convivência com seus iguais, num misto de diálogo e desafio. Mas, no Brasil, os pedagogos abominam a ideia de acelerar aluno superdotado para que ele adiante os estudos. Preferem apostar no que chamam de “enriquecimento”, que é dar conteúdo extra para o superdotado no contraturno, mantendo-o preso na série compatível com sua idade cronológica, ainda que muito aquém de sua idade mental.

Nos Estados Unidos, há 165 escolas públicas com altíssimo nível de ensino, destinadas exclusivamente a superdotados, mediante um rigoroso processo de seleção. Uma delas, a Escola de Ensino Médio Thomas Jefferson para a Ciência e Tecnologia, do Norte da Virgínia, oferece anualmente 480 vagas, mas atrai 3.300 candidatos, dois terços dos quais são superdotados. Os dados são do presidente do Instituto Thomas B. Fordham, Chester E. Finn Jr., em artigo publicado no “The New York Times”, em 18 de setembro de 2012, em que defende a ampliação dessas escolas para superdotados. Algo que, no Brasil, soa como anátema. É mais fácil o MEC derrubar escolas e construir no lugar campinhos de pelada.


Afinal, em seu livro oficial sobre educação de superdotados, o MEC não perdoa nem Leonardo da Vinci. Pelé aparece ao lado de Da Vinci como um dos “grandes gênios” de todos os tempos, que “deram contribuições originais e de grande valor à humanidade”, enquanto Jô Soares, chamado até de “multinstrumentista”, para espanto de um Gismonti ou de um Hermeto, é considerado tão versátil como o gênio da Renascença. Dizer o quê? Um país que confunde bola com cérebro e dá mais valor ao campo de futebol do que à sala de aula está fadado eternamente a comer capim.